terça-feira, 10 de maio de 2011

Documentários

Bob Marley
Documentário ’Rebel music’ mostra a vida de Bob Marley no contexto da história da Jamaica


Robert Nesta Marley (1945 - 1981) é hoje consideravelmente maior do que quando deixou de respirar há duas décadas. Os balanços de fim de século destacaram a força de sua música, nascida entre adolescentes revoltados da favela de Trenchtown em Kingston, Jamaica.

Marley criou o segundo gênero musical gerado no Terceiro Mundo que conseguiu chegar ao mainstream do Primeiro, o reggae. Só que, ao contrário da bossa nova, hoje relegada aos elevadores e salas de espera, o reggae de Marley continua a ser uma poderosa arma de transformação. A Anistia Internacional adotou ’Get up stand up’ como a canção símbolo da luta pelos direitos humanos, a canção ’One love’ foi escolhida pela BBC como a canção do milênio e ele foi destaque nas votações de melhores do século pelo ’New York Times’ e pela revista ’Time’.

A história de Bob Marley dentro do contexto da história jamaicana da segunda metade do século passado está no DVD ’Rebel music - The Bob Marley story’ (Universal), lançado no Brasil na versão original, sem legendas em português. Com exceção das entrevistas do próprio Marley, o inglês é compreensível aos alunos aplicados de cursos sérios da língua. Há depoimentos da mãe, Cedella Booker, da mulher Rita, dos colegas de banda Bunny Livingston, Peter Tosh (1944 - 1987) e Al Anderson, além de políticos e até de um ex-agente da CIA, Philip Agee, sobre a campanha da agência americana de espionagem contra o governo de coloração socialista do primeiro-ministro Michael Manley (1924 - 1997) nos anos 70.

O DVD está coalhado de músicas de Marley, incluindo imagens raras de seus primeiros tempos de carreira, mas não há uma única canção inteira. Quando se está no auge de ’Exodus song’, por exemplo, entra o narrador de voz empostada ou algum depoente cortando o barato. Os produtores parecem não saber conciliar as duas coisas. Mas a narrativa é muito bem conduzida na interligação da trajetória de Marley com a história da Jamaica.

Marley tinha a herança colonialista no sangue. Seu pai era um inglês branco, Norval Marley, que engravidou a adlescente negra Cedalla, casou-se com ela mas foi embora e abandonou os dois, obrigando Cedalla a deixar o interior e tentar a vida na capital. O DVD mostra imagens da independência em 1962, a época em que Marley, 17 anos, já lançava seu primeiro compacto, ’Judge not’, iniciando-se na música como um dos rude boys das favelas de Kingston. Há imagens dele nestes momentos e de festas animadas por estas canções, que dificilmente eram tocadas no rádio, com as estações muito viradas para o repertório da matriz britânica. Mais tarde, já com os Wailers, Bunny Livingston conta que eles chegaram a recorrer a ameaças para ter discos tocados nas emissoras, insinuando aos disc jockeys que alguma coisa ruim podia lhes acontecer se não tocassem músicas da banda. Antes disso, Marley havia passado um tempo com sua mãe em Connecticut, nos EUA, onde juntara dinheiro para financiar gravações dos Wailers e achou inspiração na luta dos negros americanos pelos direitos civis. De volta à Jamaica ele se converteu ao rastafarianismo, explicado no DVD como uma releitura da Bíblia para dizer que os negros são um povo exilado no Ocidente que deve voltar à África.

No início da carreira os Wailers levaram alguns banhos de gente inescrupulosa, como o produtor Lee Scratch Perry, que vendeu gravações para a Inglaterra sem autorização. Há depoimentos de Bunny a respeito mas Lee não toca no assunto, falando apenas das gravações na época, com imagens atuais dele e na ocasião, manipulando uma mesa de estúdio e um gravador de rolo e dançando ao ritmo da música que gravava.

Sucesso nacional na Jamaica na virada dos anos 70, o engajamento político de Marley (ainda que não partidário) lhe valeria um atentado a bala, mostrado com imagens jornalísticas da época, em que ele e a mulher Rita ficaram feridos levemente. Dois dias depois ele já estava participando do show Smile Jamaica apoiando Manley, que venceu a eleição e governou de 1972 a 1980, um período conturbado pela campanha da CIA, armando grupos rivais e promovendo atentados para desestabilizar seu governo e levar ao poder o direitista Edward Seaga, tudo isso com medo de que uma segunda Cuba se instalasse no Caribe. O DVD é rico em imagens mostrando carregamento de armas, discursos americanos contra Manley e a palavra de Agee, que era da agência na época.

Depois do atentado, Marley se exilou em Londres para fugir da violência, quando foi contratado pela gravadora Island, de Chris Blackwell, que traçou a estratégia que levou o reggae a invadir a música pop ocidental. Blackwell diz que sabia de Marley desde 1962, mas só o conheceu pessoalmente em 1973. Nesta parte o documentário mostra depoimentos da miss jamaicana Cindy Breakspeare, com quem ele ficou em Londres. Marley era um mulherengo nato, com amantes e filhos espalhados por toda parte. Sua mulher, Rita, conta que aceitou isso estoicamente e que Bob a chamava até para tirar mulheres de seu quarto. A imensa prole não é tratada no DVD, que não tem o depoimento de nenhum dos filhos, muitos cantores, como Ziggy e Damian, este último recém premiado com um Grammy pelo CD ’Halfway tree’. Também é deixado de lado a penetração do reggae através da cena londrina, não apenas caindo na preferência de rock stars como Eric Clapton (gravou ’I shot the sheriff’, de Marley) como dos Rolling Stones (gravaram reggae e contrataram Peter Tosh para sua gravadora).

Há trechos das grandes músicas do período, como ’Exodus’, ’No woman no cry’, One love, Is this love? ’I shot the sheriff’ e ’Zimbabwe’, esta última com direito a imagens do concerto de emancipação da ex-Rodésia, atual Zimbabwe, do domínio britânico em 1980. Um momento forte é o concerto One Love Peace Concert, promovido por Marley em 1978, quando ele uniu suas mãos às de Manley e Seaga enquanto cantava ’One love’. O câncer que o matou é tratado na parte final, começou como um melanoma (pele) e se espalhou pelo organismo até liquidá-lo em maio de 1981. O DVD não escorrega para a pieguice nesta parte, fazendo um registro jornalístico da passagem deste herói improvável da música mundial.

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